sexta-feira, 8 de março de 2013

Mini-Conto II


(Barcelona)

Consuelo subiu aquela rua íngreme, com os sacos das compras, a caminho da residência, que geria juntamente com o namorado. Parou a meio da rua, cansada e a ganhar coragem para subir o que ainda faltava. O dia tinha começado mal. Tinha tido uma pequena discussão com três rapazes que tinham alugado um quarto na residência e que tinham ido embora naquele dia. Mas o incómodo que sentia não era pelos rapazes mas sim pela maneira como lhes tinha respondido.
Consuelo não era assim.Sempre tinha sido uma rapariga alegre, vivaça mas doce e muito meiga. Tinha saído de casa há dois anos, para estudar, viver com o namorado e construir uma vida. Desses três objectivos ainda só tinha conseguido começar o primeiro, e mal, pelas faltas constantes que tinha de dar porque o namorado não a ajudava com a residência. Ainda hoje lhe tinha corrido muito mal o exame para o qual só tinha estudado uma noite.
Dos outros objectivos, só havia ainda o sonho. Ela não vivia com o namorado, sobrevivia nos abraços condescendentes que ele se limitava a dar, nos beijos cheios de vazio e na cama muitas vezes fria.
Quanto à vida...não via construção nenhuma...Apenas um conjunto de peças que não encaixavam.
Consuelo subiu a custo até meter a chave na porta. Pousou os sacos no chão e tornou a sair, fechando a porta atrás de si.
Desceu a rua a correr, com a sensação que estava a sufocar. Respirou o ar frio daqueles dias de fim de Inverno e pensou:
"Hoje é dia de acordar a Mulher que mora dentro de mim. Não vou deixá-la dormir nem mais um segundo." E avançou sem olhar para trás. Sem pensar nos gelados que ficaram fora do congelador, na carne para a bolonhesa, nas maçãs que rolaram dos sacos para o chão, sem pensar na cama por fazer que ainda esperava por um amor que nunca viria. Despiu a pele de menina triste e caminhou em passos de Mulher, sem saber o que a esperava. Na esquina do quarteirão seguinte, esbarrou com três sombras. Eles pediram desculpa e continuaram o caminho. Um deles no entanto olhou para trás e sorriu-lhe. E Consuelo reconheceu o grupo da manhã e sorriu também. Tinha acabado de se perdoar a si própria.

Mikashi/Carol

(inspirado em alguns factos reais e alguma imaginação de um grupo de amigos - especialmente do António Costa)

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